Doenças reumáticas e hereditariedade: quando a genética é só parte da história

 

Ter vários casos de uma mesma condição entre familiares pode levantar suspeitas sobre uma possível ligação genética. E, no caso das doenças reumáticas de origem autoimune, como lúpus, artrite reumatoide e espondilite anquilosante, essa relação pode realmente existir. No entanto, apesar da predisposição herdada, os genes não contam toda a história.

Segundo a reumatologista Danieli Castro Andrade, presidente da Sociedade Paulista de Reumatologia (SPR), a genética costuma ser apenas o ponto de partida. “É como se a genética oferecesse uma predisposição, mas não uma sentença”, explica. Isso porque diversos fatores externos, como infecções, alimentação inadequada, estresse constante e o ambiente em que a pessoa vive, influenciam diretamente na ativação dessas doenças. “A manifestação de uma doença autoimune depende de um conjunto de gatilhos. Não basta carregar o gene, é preciso que ele seja ‘acionado’ por algo”, complementa.

Um exemplo claro dessa interação entre herança genética e ambiente é o gene HLA-B27, fortemente associado à espondilite anquilosante, uma inflamação crônica que atinge principalmente a coluna vertebral. Mais de 90% dos pacientes diagnosticados com a condição apresentam esse gene. Ainda assim, apenas entre 1% e 5% das pessoas que o carregam de fato desenvolvem a doença. O dado reforça que a predisposição genética, isoladamente, não é suficiente.

Estudos com gêmeos também ajudam a entender melhor esse cenário. No caso do lúpus, quando um dos irmãos idênticos têm a doença, a chance de o outro também apresentar o quadro varia de 24% a 57%. Já para a artrite reumatoide, o risco fica em torno de 15%. Entre gêmeos fraternos (não idênticos), esses índices são significativamente menores — o que indica a importância dos fatores ambientais. “Esses dados nos mostram que, mesmo em pessoas geneticamente idênticas, o ambiente e o estilo de vida têm um peso muito relevante”, reforça a médica.

Outro conceito importante na reumatologia é a chamada agregação familiar, quando diferentes doenças autoimunes aparecem em membros de uma mesma família, mesmo que não sejam exatamente as mesmas. Por exemplo, filhos de mães com lúpus têm até 10 vezes mais chances de desenvolver alguma condição autoimune ao longo da vida. Apesar disso, o risco ainda é considerado relativamente baixo. “Ter um histórico familiar é um dado relevante, mas não é motivo para pânico. Serve como um alerta para que o acompanhamento médico seja mais cuidadoso”, orienta a especialista.

Há também os casos em que as doenças parecem “pular” gerações. Esses fenômenos podem estar relacionados a mecanismos epigenéticos, que são alterações na forma como os genes se expressam, sem modificar a estrutura do DNA, influenciadas por fatores como alimentação, estresse ou exposição à poluição. “A epigenética está nos ajudando a entender por que duas pessoas com a mesma predisposição genética podem ter trajetórias de saúde tão diferentes”, explica.

Enquanto a maioria das doenças autoimunes em adultos está associada à combinação de múltiplos genes (padrão poligênico), há formas mais raras, geralmente em crianças, causadas por mutações em um único gene. Esses casos tendem a ser mais graves e exigem uma investigação genética específica para que o diagnóstico e o tratamento sejam realizados corretamente. “Nas formas raras e mais precoces, a genética tem um peso muito maior. Por isso, nesses casos, os testes genéticos são fundamentais”, afirma a presidente da SPR.

Com os avanços na medicina genômica, já é possível identificar dezenas de variações no DNA que aumentam o risco de desenvolver doenças autoimunes. Embora esses exames ainda sejam mais usados em pesquisas do que na prática clínica, eles já vêm sendo aplicados em situações específicas, como sintomas atípicos, início precoce da doença ou ausência de resposta aos tratamentos convencionais.

É nesse cenário que a medicina de precisão ganha destaque: um modelo de cuidado que considera as características genéticas de cada paciente para oferecer diagnósticos mais assertivos e tratamentos personalizados. “Estamos caminhando para uma medicina mais personalizada, que olha para o indivíduo como um todo e não apenas para os sintomas”, conclui a Dra. Danieli.

Saber se há histórico familiar de doenças autoimunes, portanto, não serve para prever o futuro, mas sim para orientar a atenção médica. Essa informação pode facilitar o acompanhamento de sinais precoces, antecipar o diagnóstico e contribuir para o controle da doença, garantindo mais qualidade de vida ao paciente.

 

Sobre a SPR
A Sociedade Paulista de Reumatologia (SPR), fundada em 1953, é uma associação civil científica, de direito privado e sem fins lucrativos, dedicada a representar os reumatologistas do Estado de São Paulo. Com o objetivo de promover os avanços científicos da Reumatologia, a SPR atua ativamente na atualização de profissionais da saúde e no compartilhamento de novos conhecimentos com o público. A entidade possui sede própria e é afiliada à Associação Paulista de Medicina, à Sociedade Brasileira de Reumatologia e à Associação Médica Brasileira.

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